*Paráfrase do escritor português Fernando Pessoa.

Portugal sempre teve uma grande importância para o Brasil. Como país colonizador, Portugal trouxe para as terras tupiniquins um novo jeito de olhar o mundo, por meio da arquitetura, literatura, música e tantas outras formas de expressão.

Basta olhar o centro histórico da maior parte das cidades brasileiras para perceber que a herança lusa não foi completamente embora depois da Independência do Brasil, em 1822.

A maior influência foi vista nos anos seguintes a 1808, quando a Família Real portuguesa mudou o seu endereço para o Rio de Janeiro. A partir disso, a cidade recebeu diversas mudanças para acomodar melhor a Corte. Quadros, espelhos, relógios de parede se tornaram populares. Grande parte dos costumes portugueses foi assimilada pelos brasileiros, que admiravam os europeus pelas novidades trazidas.

A literatura também sentiu as mudanças que ocorreram após a Corte desembarcar. Até 1808, não havia universidades, periódicos e até mesmo tipografias no Brasil, o que dificultava a circulação de conhecimento e livros.

Daquele ano em diante que a literatura brasileira pode enfim de desenvolver. A princípio, as obras tinham forte ligação com o que era produzido em Portugal, como se vê na época do Romantismo.

Porém, aos poucos o Brasil foi definindo a sua identidade e evidenciando mais as suas origens, no período que foi conhecido como Nacionalismo.

Ainda hoje, a literatura portuguesa é estudada nas escolas e universidades. Não é para menos: aí está a origem da nossa língua e muito dos nossos costumes. Luís de Camões, Gil Vicente, Almeida Garret, Eça de Queiroz e Fernando Pessoa são autores lidos e relidos nos meios acadêmicos, principalmente pelos mais jovens. No entanto, salvo José Saramago, que teve obras reproduzidas no cinema, a literatura atual portuguesa nos é estranha. Coisa que não acontece na contramão – os portugueses tendem a conhecer muito mais os cânones literários brasileiros.

O que acontece do outro lado do Oceano

Popularidade à parte, a literatura portuguesa continua dando ao mundo bons frutos e obras impecáveis. Mais fáceis de serem lidos do que os clássicos de séculos passados, os trabalhos dos escritores portugueses são interessantes porque ajudam a entender o que é Portugal. Boa parte dos literatos preza pela história do seu país e faz referência disso em suas obras, mesmo que de uma maneira sutil e sem se desviar do objetivo principal: o bordado feito com o próprio idioma.

Ler uma obra portuguesa atual é navegar em uma piscina desconhecida, mas que se parece com a que temos em casa. A maior parte das palavras são iguais ao português do Brasil, mas a construção das frases pode confundir, desconcertar e até inibir (ou estimular) a imersão de um leitor iniciante.

A persistência leva ao êxito: dar uma chance para a literatura portuguesa atual é aprender mais sobre a sintaxe, semântica, além de fatos históricos que nos passam despercebidos. De maneira menos acadêmica e mais próxima de nós.

A sinceridade de António Lobo Antunes

Literatura Portuguesa (2)

Nascido em 1972, António Lobo Antunes é lembrado principalmente pelas opiniões polêmicas, que emite sem dó ou medo de desagradar os fãs. Em entrevista ao El País, o escritor disse não gostar de Fernando Pessoa, um dos poetas mais admirados aqui no Brasil. Tampouco se importa com o fato de não ter ganhado o Prêmio Nobel, como seu contemporâneo português, José Saramago.

Apesar isso, António Lobo Antunes é um dos escritores portugueses mais lidos e premiados no mundo. No Brasil, porém, António Lobo Antunes tem pouca presença. Como ele mesmo disse em entrevista para a Folha de S. Paulo: “Estou menos editado no Brasil do que em países como a Eslovênia ou a Coreia”.

Para o escritor, a língua portuguesa com todos os seus detalhes e meandres é a ferramenta perfeita para contar o que está oculto – que, muitas vezes, tem teor autobiográfico. A impressão que dá ao ler os seus livros é que o autor nos convida a entrar na sua casa, nos sentarmos na sala e tomar um café, enquanto ouvimos a sua família contar histórias carregadas de sentimento.

“Os Cus de Judas” é o livro mais famoso de Antunes e o segundo lançado pelo autor. Nessa obra, Lobo Antunes divide com os leitores suas experiências como médico durante a Guerra na Angola. Já “Memória de Elefante” é praticamente um diário, onde o personagem central, que é alter ego do autor, se debruça sobre memórias da ex-mulher, das filhas e faz várias reflexões a partir da saudade, dos próprios erros e acertos.

O lado bom de Valter Hugo Mãe

Valter Hugo Mãe

Ao contrário de António Lobo Antunes, que não faz questão de agradar quem quer que seja, Valter Hugo Mãe é chamado por muitos de “o bom mocinho da literatura portuguesa contemporânea”. Sempre elogioso em relação aos colegas e simpático com a plateia, Mãe fez a sua estreia no Brasil na Festa Literária de Paraty – tornou-se um fenômeno. Antes mesmo de começar a falar de suas obras, o escritor português fez questão de ler uma declaração de amor ao Brasil.

O autor, que nasceu em Angola, mas foi naturalizado português, também não consegue acreditar que o ser humano seja repleto de defeitos, como tantos escritores fizeram questão de afirmar. No livro infantil “O Paraíso são os Outros”, Valter Hugo Mãe usa o seu pensamento positivo e criativo para derrubar o aforismo existencialista do filósofo francês Jean-Paul Sartre: “O inferno são os outros”.

Além dessas ideias menos dogmáticas, Valter Hugo Mãe é ainda um autor diferente pela maneira que escreve. Assim como José Saramago brincava com a pontuação, sem usar as regras gramaticais de maneira convencional, Mãe durante muito tempo publicou livros apenas em letras minúsculas. A possibilidade de ser reduzido apenas a essa característica e o desejo de inovar, fizeram o autor, a partir do livro “O Filho de Mil Homens” adotar as maiúsculas. O seu sobrenome artístico, Mãe, dá outra pista sobre a personalidade do autor: Valter Hugo tem por sua obra um amor condicional, um carinho quase maternal.

A pluralidade de Mário de Carvalho

mário de carvalho

Interessado em literatura desde cedo, Mário de Carvalho se formou em Direito e participou ativamente da vida acadêmica e as organizações estudantis. Para o público, o escritor começou a desenhar as primeiras linhas tarde. O primeiro livro foi lançado quando Carvalho tinha 37 anos. Antes disso, como o próprio afirmou em entrevista, dedicava-se mais a explorar a literatura já existente e a aprender com os clássicos.

O contato com os livros ajudaram Mário de Carvalho a criar um estilo único que, ao mesmo tempo em que a narrativa é moderna, o enredo apresenta registros históricos. Mais do que isso, a obra de Mário de Carvalho é para se emocionar por inteiro, rir e chorar. Extremamente versátil, o autor não adota uma fórmula de sucesso e, por isso, cada livro é uma agradável surpresa.

Mário de Carvalho consegue transitar perfeitamente entre épocas, narrativas e gêneros. Entre suas obras mais conhecidas está “Era uma Vez um Alferes”, que reúne três importantes contos do autor, repletos de reflexões sobre a história recente de Portugal e publicado no Brasil pela Companhia das Letras.