Era uma vez uma linda princesa adormecida no alto de uma torre guardada por um dragão a quem só o verdadeiro amor poderia vencer. Assim é apresentado o amor para muitas pessoas hoje em dia. Ele é a cura, a resposta, o objetivo, um verdadeiro motivo para existir e, desde que você o possua entre os braços, não há porque ser triste. Ou seja, o amor já é postulado com regras, definições e conceitos que impedem o ser humano de fazer o principal: amar, independentemente da forma.
Apesar de todos os efeitos que o sentimento pode causar no organismo – isso inclui o controle, ou descontrole, de certas partes racionais – a forma amorosa a qual nos referimos, cantamos em canções e vemos nas telas do cinema é uma grande construção social.
O amor é cego, mas espera a perfeição
É a mulher que balança seus cabelos enquanto corre para os braços do amado. É o homem misterioso escondido por trás dos óculos escuros e uma motocicleta barulhenta que viaja através da noite só para se declarar para a sua amada. As histórias são várias e não deixam de ser clichês. Aliás, o amor é o único sentimento que abre espaço para clichês, pois é o momento em que é permitido ser ridículo. “Afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas”, diria Fernando Pessoa.
Sem dúvida alguma, o amor surge de imagens. Não aquelas que são vistas à luz, mas sim aquelas que são produzidas dentro da cabeça de quem está amando. O ser amado deixa no ar diversas lacunas que podem ser pintadas, desenhadas, completadas e sonhadas em praias desertas e luares assistidos do telhado. Mas, então, vivemos em um apartamento minúsculo, com a cobertura fechada por motivos de segurança e o seu vizinho reclama de barulho depois que acabou a novela das 21h.
A vida em si já é muito diferente do que aquilo que gostaríamos de ter, mas vamos aprendendo a levar – já que a segunda opção parece ser bem pior para quem tem esperança. Então, se já aprendemos com a vida, por que vivemos exigindo demais do outro e do momento a dois?
História do amor
De acordo com a pesquisadora e sexóloga Regina Navarro Lins, o amor foi construído há muito tempo, ainda na pré-história, e sofreu diversas metamorfoses para chegar perto do modelo que temos, vemos e sentimos hoje. Ela inclusive defende que atualmente estamos vivendo uma nova transformação, na qual termos como “relacionamento aberto” e “poliamor” já estão inseridos, colocando a questão da fidelidade em uma discussão humana e não mais dogmática. No entanto, ainda nesses relacionamentos mais modernos, é possível ver que a questão da expectativa em cima de imagens pré-construídas ainda existe e pode ser um grande empecilho para se viver um verdadeiro amor.
Amor não é apegado e substancialmente não deveria ser egocêntrico. Apesar de diversas críticas às subversões que aconteceram posteriormente, o amor cristão – aquele disseminado por Jesus Cristo, visava apenas as boas bases da liberdade, perdão e aceitação, independentemente do âmbito, desde o amor sensual até o tipo mais puro, como geralmente podemos ver dentro de uma família.
O amor, o feminismo e outros movimentos
Obviamente, quando há uma figura dominante, é comum vermos que os interesses desta ditem como funcionam as regras. No amor não é diferente e, por muito tempo, esse sentimento era um direito apenas para os homens. Apenas os indivíduos do sexo masculino poderiam decidir com quem se relacionar ou tinham um controle do seu corpo. Com o passar dos anos, o casamento passou a ser dissociado do dinheiro e ganhou valores mais sentimentais, abrindo um espaço um pouco maior para a participação feminina. Porém, no iluminismo, qualquer relação sentimental foi desvalorizada em função da razão, voltando a valer a fria lógica do dinheiro.
Com o feminismo e a abertura para outros movimentos em prol da liberdade de gênero, sexo e sexualidade, o amor também adquiriu novos sentidos e novas formas. Aliás, o princípio de que não há um dominante deveria ser o primeiro passo para criar uma relação amorosa. Ao se notar que todos estão em um mesmo patamar torna-se injusto pedir por mais, ou até mesmo menos do outro.
Qualquer movimento que seja pela liberdade e humanização de cada indivíduo pode levar o ser humano a um caminho mais próximo da verdade e, assim, do verdadeiro amor.
O verdadeiro amor no dia a dia
O homem chegou do trabalhou e sua/seu parceira(o) não está em casa. Isso aconteceu porque ambos trabalham. A pessoa da relação que chegou primeiro em casa começou a fazer o jantar ou outras tarefas da casa, já que não gosta tanto assim de cozinhar. A(o) parceira(o) ligou para dizer que irá demorar. O outro come e vai dormir. Na manhã seguinte, eles acordam lado a lado e seguem novamente para mais um dia da rotina, mas não sem antes darem um beijo de despedida e trocarem palavras carinhosas.
Essa história está longe de ser a da princesa que espera pelo príncipe. Mas também está longe dos berros ou chutes nos móveis por conta de quebras de expectativas. Para os mais relutantes em aceitar ou se desgarrar do amor romântico inventado na ficção e passado para a realidade, basta um tempo colocando na balança toda a luta diária para construir e manter uma imagem de si mesmo e do outro e a tranquilidade de não esperar uma perfeição que não existe. Uma vida com amor pode ser leve. Aliás, deve.
O romantismo existe e é essencial no jogo da sedução e até mesmo na construção de uma vida com a pessoa amada. Porém, ele não é um dos itens mais essenciais quando colocado ao lado da confiança, respeito e admiração, principalmente em tempos que planos devem ser construídos mediante a possibilidade de trânsito ou algum outro imprevisto. E o amor verdadeiro está presente principalmente quando se sabe que não é preciso ter uma metade da laranja para tornar o seu suco especial.