Passaram-se as eleições. Um das mais atípicas e desrespeitosas que pude presenciar. Os xingamentos, os preconceitos, os desrespeitos, as ofensas, todas essas questões disfarçadas numa verborragia nojenta de quem não sabe o que diz e que na verdade transmite um discurso de ódio que vê na TV, nas revistas e na rua mesmo, na boca de um povo que deixou de estudar política porque, vá lá, eles são todos iguais. Passaram. E como uma eleitora fajuta, ainda que preocupada com o futuro do meu país e completamente ciente dos nossos problemas, mas também das melhorias, como essa eleitora desnaturada, que nem uma filha que não houve os conselhos da mãe, eu digo ininterruptamente: ainda bem!

As mudanças que trago não são nacionais. E é até um pouco tarde para falar sobre isso. A pauta até já caiu. Mas é sempre tempo de escrever e de procurar colocar os pontos nos “is”. Essas mudanças que tanto quero falar são internas. São humanas e hereditárias. Elas passam de eleições para eleições – pelo menos não são genéticas. Mudaram as personalidades brasileiras. Foi-se, com os nossos bisavós e avós, a capacidade de reflexão e o pensar antes de falar. Foi-se embora, infelizmente, a necessidade de se desculpar e de reconhecer os próprios erros, mas também os acertos dos outros. Nossas eleições revelaram quem são os seres de atualmente, quem são nossos semelhantes.

Dentro do ônibus, no trabalho, na universidade, o cara do churros, o garçom do restaurante, o executivo, o professor, entre todas as classes, entre todos os lugares existiu, mesmo que por alguns meses, um cidadão que não mediu suas palavras e que não aceitou sequer um “não é bem por aí, cara”. Difícil nadar cotra corrente, mas mais difícil ainda é perceber que pela correnteza passam peixes e passam tubarões. Nenhum fica. Ou morrem na praia ou morrem no caminho. Vociferaram o desrespeito que virou anárquico e a arrogância que se tornou de extrema direita. Entre os jacobinos e os girondinos, eu escolho o pântano se a discussão desviar o caminho da civilidade.

Mas para que eu mesma não tangencie o meu assunto – como muitos tangenciaram os seus nas redes sociais – voltemos. É sobre mudanças, não é isso? Pois bem. É sobre mudança negativa. Hoje ninguém se olha mais sem pensar: esse aí tem todo jeito de “reaça”. Ou então: essa daí tenho certeza que é comunista. E então a ditadura era pregada sem conhecimento e as elites colocadas em cheque como afronta. Ser rico foi motivo de segregação. Ser pobre significou receber a culpa de um resultado meio a meio, dividindo o Brasil em ricos e pobres, teoricamente. Nossa Terra Brasileira parecia a Terra Americana com vitória de Obama: nosso tapeto deixou de ser verde e amarelo e por algumas semanas ele foi vermelho e azul. Nem a derrota fez isso mudar. E quem dera a divisão ter sido só na aquarela.

Fomos rotulados de cristãos e “aquele que não prega a palavra de Deus”. Comunistas contra defensores do catolicismo. Defensores tão fajutos quanto a eleitora que aqui escreve, que agradeceu o fim dessa corrida por uma verdade que não existiu, por uma doutrina que não era a que estava escrita, por uma corrente que não condizia com a que a História escrevera séculos atrás.

Comecei esse texto no intuito de refletir sobre mudanças pessoais que começaram com as eleições e prometem não esgotarem enquanto eu estiver sob o meu próprio comando. Comecei com esta ideia, mas me pareceu extremamente necessário escrever sobre a ignorância brasileira, sobre a falta de reflexão duas semanas após as urnas serem seladas, sobre o quanto a gente não aceita o que é contrário aos nossos princípios e sobre a nossa boca maior que o coração e a razão. Melhor do que escrever sobre as minhas mudanças tão pessoais e intrínsecas é escrever sobre um Brasil que tenta mudar, e até muda, mas que permanece habitado por pessoas estáveis no seu meu próprio mundo.